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quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Os Três Mal- Amados



Não sei se agradeço, não sei se peço perdão, mas a noite de ontem foi de reencontros. Fiz um estágio na nossa terça sem lei. Fui, mais uma vez, fora da lei. Me beijei inteira, fui abraçada e alvoroçada pelos que não via há alguns meses e descobri que estava com muita, muita,muita saudade de mim. Falei , falei, falei muito e descobri que minha fala estava contida, reprimida...por mim, pela minha doidice de querer parecer sã- rsrsrrs- e lá veio meu velho Demo pra me fazer , mais uma vez, perceber o óbvio- coisa pra outra postagem-.
As conversas- muitas- até quase agora- como sou irresponsável quando feliz- me fizeram repensar tantas das muitas coisas. Fiquei querendo saber onde eu me enfiara e não descobri ainda, pois acho que estava dando uma morridinha de mim só pra me acordar assim com uma certeza, quase absoluta, de que posso ser eu mesma e me deixar fluir...
Nas conversas que permearam a noite, madrugada e alvorada muitas poesias saltaram de nossas bocas, muitas músicas foram relembradas e dançadas- nossa!! como estava precisando dançar- muitas loucuras foram abençoadas e dentre elas apareceu uma poesia do João Cabral de Melo Neto que me fez perceber o quanto me desviei de mim e a causa disso que , hoje, não é mais. Confuso não? Mas eu entendo e isso basta.

Os Três Mal-Amados

O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.

O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.

O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.

O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.

Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.

O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.

O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.

O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.

O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.

O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.

O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.

João Cabral de Melo Neto

Valeu Nanda ! Valeu pelos poemas, pelas músicas, pelo riso fácil, pelo encontro com todos...Valeu!

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