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sábado, 16 de novembro de 2019

ACORDEI MORRENDO


Em 1990, quando pari, soube que não seria mãe de apenas um menino. Soube- acho que desde sempre- que quando temos filho, a casa se enche de festa à medida que eles vão crescendo. Não foi diferente comigo. Caiã nasceu muito pequenino, com olhos e boca grandes e um apetite enorme para com o mundo. Ele me ensinou a ser mãe-ou tentar ser-.
Com os passar dos  anos outros "filhos" foram se agregando. Esses me chamam de "tia". Muitos desses tiveram filhos e os filhos deles me chamam de "vó"...Vida que segue.
Mãe solo, não tivemos em casa a presença paterna, penso que isto fez com que em nossa casa um clube fosse formado. Ali, pelas minhas  retinas, vi crescer varões, assisti instantes de felicidades e frustrações, os vi adolescer, virarem homens e abrigar a meninice quando juntos.
 Alguns deles, prematuramente, nos deixaram. Morri um pouco em cada uma dessas vezes. Morri sem voltar pra mim. Morri.
Ontem, por volta das sete horas da manhã, fui acordada pelo toque do celular.Tremi. Feriado. Sete horas da manhã. Atendi... Morri mais uma vez.
Ele tem 21 anos, filho único e único em sua generosidade. Dono de um sorriso iluminado, de um abraço que abriga, de um jeito de caminhar com a planta dos pés de modo muito diferente. Um menino.Um menino.
Lembro-me dele chegando em minha casa numa ocasião.Era uma noite de sexta-feira. Todos iriam a uma festa, mas menor não entrava. Nos olhos dele uma decepção enorme. Eu  disse a ele que não ficasse assim, pois cada coisa tinha seu tempo. Ele disse, fazendo buxixo, "queria muito ir". Daí Caiã lhe disse que não iria  a festa, apra poder  ficar com ele. Eles iriam a outro lugar juntos. Achei lindo! Acho lindo quando se abraçam, beijam, sem preconceitos, com afeto, coisa de irmão,de quem sabe ser eterno. Vejo os meninos se cumprimentando assim. Esse jeito de abraçar e chamar de "mano" me dá a certeza de ter alinhavado certinho essas gentes. Bordado a mão, feito com calma, trazendo um avesso bem cuidado a modo de não descosturar.
Depois desse dia, vi, pela coxia, o espetáculo da vida ensaiando esses meninos. Os vi crescer em seus sonhos, os vi  brincando, trabalhando, arquitetando a vida,  e me vi com eles.
Às vezes  encontrava com ele, Pedro,  na rua. Era uma festa! Perguntava por sua mãe e ele respondia sempre com um "minha rainha", no final. Outras vezes, na varanda da casa de "Noca" nos divertíamos entre cervejas, conversas, músicas ruins- detesto o funk que eles gostam-, caranguejos,churrascos e planos para mais tarde.
A casa de "Noca" perdeu mais um de seus meninos, mais uma cadeira vazia. Morri mais um pouco ao escrever isso.
Queria ter a capacidade de fazer o tempo voltar...
Choveu o dia todo de ontem. Chovi o tempo todo.
Ninguém recebe um adeus com felicidade, mas não posso deixar de receber essa separação com a fé em Oxalá, pois senão nada terá valido a pena.
Sei que Pedro viveu seu tempo, aqui, com honestidade, perseverança, bondade, fé, distribuindo amor. Pensando assim- como me ensinou Chico Xavier- creio que depois de sua passagem, ele terá- depois do susto- uma vida espiritual plena de felicidade e retornará mais evoluído.
Não há nada para amenizar a dor de agora. Rezo por Carla. Rezo pra ela ter paz. Não sei mensurar essa dor, mas espero que ela saiba o quanto foi privilegiada por ser portadora dessa semente. Por ter regado de maneira tão amorosa e fazê-lo ser jatobá. Que ela saiba que através do seu ato de dar à luz,  o nosso mundo conheceu esse ser tão especial.
Que privilégio  ter conhecido Pedro e ser tantas vezes abraçada por ele, ser chamada de tia
Esteja em paz, querido.
Até um outro carnaval!

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