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terça-feira, 7 de abril de 2020

EM TEMPO DE QUARENTENA


Estou ensaiando há dias uma escrita. As palavras ficam meio tímidas, não se atrevem a ser. Aliás,ser palavra, ser pensamento, ser história passou a ser uma só coisa. Sobre essa coisa, prefiro não falar, pois já há especialistas demais falando sobre isso.
Escreverei sobre meu ser. Sobre tentar ser alguém que não siga esses padrões que a mídia está criando. De um lado os raivosos, que alimentam seus medos imaginando estar combatendo a tirania do inominável. Quanta perda de tempo e gasto de energia. Estão dando ibope demais àquele traste.
Por outro lado, os cegos que defendem o mesmo desprezível verme. Temos outras coisas para nos preocupar. Aliás,nunca, em toda minha vida trabalhei tanto. Uma função sem fim. Lava, limpa, desinfeta, arruma, passa, desinfeta, limpa sapatos, troca roupas de cama, banha cachorro, quintal, rega plantas... Como achar tempo pra perder tempo com algo que não vai me fortalecer? 
Confesso que tenho cumprido tudo que a OMS sugere. Sem traumas. Li dois livros da Conceição Evaristo- uma beleza de narrativa!- Muitos artigos que falam de espiritismo, espiritualidade e exercício da fé. Pratico, diariamente, ioga e meditação. Preparo aulas, converso com amigos, canto, danço, choro às vezes, não nego, mas não me procuro no passado, pois não estou lá.
O que temos agora é esse presente. Um presente meio melancólico, eu sei, mas um presente construído por nós nesse passado que plantamos em nossa mente. Não somos vítimas de porra nenhuma,  não adianta mimimi, não há espaço para drama, pois não temos plateia- ah! a plateia! que falta!- Logo, precisamos construir, dentro da gente, aquele espaço que deixamos vazio, que não fizemos manutenção. Penso que é pra isso esse hiato. Lógico que o planeta estava agonizado.O Universo nos enviou muitos sinais, mas nossa soberba não nos deixou assimilar isso. 
É tempo de entendermos essa mudança como algo que irá fazer nossos filhos e netos e os filhos e netos dos vizinhos serem melhores que nós. É tempo de percebermos que precisamos de muito pouco para viver. Percebem que tudo era perfumaria? Eu mesma sempre tive a vaidade como um carro chefe. Sinto falta de sair? Sinceramente, não sei. Costumo dizer que o Universo estava me preparando para algo assim, para uma mudança que começou há alguns meses quando decidi fazer uma viagem por alguns lugares de Minas Gerais. A simplicidade daquela gente foi desenhando em mim alguma coisa que já estava alinhavada, mas que eu não entendia. Descobri em Inhotim que às vezes eu cerzia a vida. Em Cordisburgo , terra do Rosa, o cheiro de mato e a comida feita no fogão à lenha conduziram-me  aos meus ancestrais, as conversas com gente tão singular que encontrei em Diamantina mareiam meus olhos. Descer nas minas de Ouro Preto foi um soco no estômago. Nas paisagens mineiras me revi. Trouxe comigo um tanto de esperança e um monte de histórias que reverberam em mim. Guardo no escaninho da alma e vou bebendo aos goles pequenos cada coisa que em mim ficou.  
Quando voltei de lá,estava diferente, pulsando a vida com outro significado.
Estou vibrando no amor, na cura, na paz. "Só quero saber do que pode dar certo, não tenho tempo a perder." 
Hoje lembrei do meu vô. Ele dizia que  sentimento alimenta sentimento, ou seja, amor alimenta amor, medo alimenta medo... Parei de alimentar a ansiedade, o medo e o drama. Não somos vitimas de nada, repito. Nós fizemos isso. É chegada a hora da reforma íntima. Estou fazendo a minha parte. Sinto saudades dos amigos, de caminhar, ir a praia, fazer planos, mas se não posso, aproveito minha componia, rio de mim e comigo, aproveito pra me conhecer. Estava distante de quem eu sou de verdade. Acredito que tudo concorre para o bem. Pode me chamar de Polyanna, nem ligo. Penso que tudo tem um aprendizado... Então...acho que é momento de troca. É uma experiencia planetária. É tempo de regeneração. 
No meu jardim tem aparecido borboletas. Juro. Todos os dias. Muitas. Uma beleza!! Não as via há tanto tempo! O céu?! Parece o céu do Pontal de Atafona- saudades-. e a lua de hoje, alguém viu? Parecia um farol com milhares de pequenas lanternas em volta. O céu estava uma coisa! Meu cachorro parece mais feliz até. Sério. Isso só pode ser para o bem. 
Esses tempos estão me ensinando que tenho muitos excessos, e que não precisava de muita coisa material para viver. Descobri que deixei a fé em segundo plano e me entristeço comigo.
Lembrei de novo do meu vô. Certa vez, ele disse que em algum lugar do nordeste não chovia nunca. Um dia todos os moradores decidiram fazer uma reza forte para pedir chuva aos santos e Orixás. Quando a "tardinha" caiu, todas as pessoas do lugar se "ajuntaram" na praça da cidade. As pessoas conversavam, contavam causos, se distanciavam do propósito, mas uma menininha, franzina, de pernas finas, tranças nos cabelos, vestido domingueiro no corpo e os olhos cheios de esperança- ele a descrevia como eu era- carregava um guarda-chuva dourado junto ao peito. Todos riram. Ao ser indagada sobre o fato de carregar aquele objeto, ela respondeu: - Não viemos rezar pra chover? Pois então! Trouxe meu guarda-chuva! 
O nome disso é FÉ.
Fé não é religião. Fé é crença naquilo que acreditamos com muita força. Nós olhamos pro mundo através da crença que possuímos. Olhe para o mundo! Construa algo bom. Um monte de gente está precisando de algo que você tem. Precisando de um afago, uma palavra, um aceno.
Estou vibrando no amor e na esperança. Estou exercitando a minha fé. E você?

domingo, 16 de fevereiro de 2020

Só a Educação nos Libertará


Minha primeira postagem do ano da graça de 2020 é pra que eu não me esqueça do tempo. Que eu saiba qual a minha função em sala de aula,qual a minha postura diante de um momento tão árido que estamos passando no país.
Confesso que me assusta imensamente escutar noticiários, ler sobre os fatos e saber da veracidade deles.
O ano letivo teve início no ultimo dia 10 de fevereiro. Na reunião pedagógica acordamos que ,quem quisesse, poderia trabalhar o samba da Estação Primeira de Mangueira. Decidi que esse seria um bom texto para ser analisado, pois as colocações, o tema  são pertinentes ao momento vivido.
Sou mangueirense desde adolescente. As cores, a história da escola e o a história do Cartola sempre despertaram em mim curiosidade e afeto.
O samba de 1979 cujo refrão era " Tem mulata pessoal / Na colheita do cacau" fazia-me sambar e rodar sem entender que a Amazônia seria leiloada. A fonte de riqueza desrespeitada... enfim.
Ao longo dos anos fui ouvindo sambas que marcaram minha alma de passista- rsrrsr!-  Em 1984 a Mangueira foi campeã com um samba que homenageava Braguinha no "balancê,balancê".Tinha fogueteiro, São João,fogueira... Uma maravilha! Dez anos depois,em 1994, a escola homenageava Os Doces Bárbaros. Lá fui eu atrás do trio elétrico. Assisti ao show na quadra,bem no palco,causando inveja aos mortais... Anos depois foi a vez do poeta Buarque ,o gênio. São construções melódicas e letras pra gente refletir, pra gente se educar. Gosto dessa coisa de ver o povo defendendo uma ideia, um enredo, um espaço que sempre foi dele, do povo.
Farei um salto pra escrever um pouco sobre o comovente samba que a mangueira levou pra avenida no ano de 2019. Polêmico,verdadeiro,essencial. Uma aula de história que os livros não contam. Uma cor que a gente ignora, uma alma de que muitos se envergonham. 
Uma História para Ninar Gente Grande. Que enredo! Que coragem! Quantos de nós não sabíamos do muito que ali foi cantado. Não era um enredo sobre Marielle, mas sobre a nossa invisibilidade.  Lá estavam muitas personalidades desconhecidas pelo Brasil. Luíza Mahin, Chico da Matilde, Dandara. Lá também estavam as revoltas e rebeliões populares lideradas pelo povo preto, pobre,indígena e escravo do país. Um Brasil que não está no retrato, mas que a Mangueira fez questão de nos mostrar.
Lá estavam referencias sobre Navio Negreiro- sim eles existiram-, Lá estavam as multidões em verde e rosa, aquela gente que constrói a maior festa popular do mundo,os heróis de barracões. A Mangueira nos contou a história que a história não nos conta. Afinal...são versos que o livro apagou. Sangue retinto pisado... Ainda hoje.
Brasil teu nome é Dandara, devolve a essa mulher o protagonismo que ela sempre teve, mas também no aponta uma Dandara outra que foi morta a pedradas em 2017 em Fortaleza. A tua cara é de cariri. Nossa matriz índia que pede socorro. São muitos os pedidos de socorro. São muitas as pistas para que façamos o exercício de conhecer a nossa história.
Trabalhei a letra desse samba no ano passado e um infeliz escreveu em uma rede social que eu não estava cumprindo meu papel de professora. Que deveria dar aula de português e que uma análise de samba não era aula. 
Pesquisei sobre o sujeito. Descobri que não valia a pena entrar em discussão. "Pobrinho" ele. O sujeito,quer dizer, objeto, só fazia reproduzir discurso de ódio. Ele nutria, mesmo pobre, a convicção de que a elite tinha que estar no poder.
Bem, cá estou eu trabalhando com "A verdade vos libertará", que traz um Cristo muito humano, longe desse olhar bélico imposto pelas classes dominantes.
Faço análise da estrutura sintática, aponto passagens bíblicas,estimulo os alunos a pensar. Alguns falam que é heresia, outros discutem de maneira polida e me explicam coisas que eu sabia. Aprendo também.
Escrevo tudo isso pra relatar que na sexta-feira, às 7:20h, entrei na sala de aula e um aluno me entregou um bilhete. Tremi. pensei...lá vem censura, bomba, esculacho. Respirei fundo. Abri aquele papel que estava escrito com tinta azul. A medida que eu lia meus olhos mareavam. Sexta- feira e eu recebendo presente de um pai que se dizia emocionado com o relato de seu filho a respeito da aula dada.
Fiquei em silêncio enquanto eles olhavam pra mim. Em meu  rosto um  percurso de rio seguia pelo meu pescoço. 
 Saio de casa, diariamente, para servir as pessoas com meu conhecimento, com minha energia, com minha esperança. Estou respirando, mas pode ser o último dia e não vou desperdiçar meu tempo sendo vazia, medrosa, superficial. Não sou parasita, não nutro ódio pelo outro, não faço apologia a armas, não desrespeito a religião de ninguém, não comungo com fascismo,logo, vai ter feminismo em minha sala de aula, sim -se for pertinente-. Vai ter discurso contra o ódio, sim.Vai ter estimulo para que eles estejam em universidades públicas, vai ter carinho, Machado de Assis, Rubem Alves, Nelson Rodrigues e o escambau!
Se tenho medo? Sim, pois o medo faz parte da travessia. 
Recebi esse bilhete, mas também escutei de uma aluna, negra, que ela admira Hitler. Morri por alguns instantes. Perguntei se ela sabia quem tinha sido essa figura. Lá vai outra aula. Mas não é português, né? Quem a fez repetir essa coisa tão abominável? O que ela ficou fazendo na escola esse tempo todo? 
Depois uma outra disse não ler o texto, pois ele era sem sentido...????
Mais uma aula. A menina é evangélica. Expliquei que não estava analisando o texto à luz da religião, mas com a ótica da semântica. Ela não sabia o que era semântica. Mais uma aula.
Tenho um propósito. Nele não há espaço para o raso. Se eu morrer amanhã tem que ter valido a pena. Então, darei minha melhor aula, farei meu melhor espetáculo,meditarei até minha alma sorrir e serei de verdade.
Só a educação nos liberta, sendo assim, tem que ser verdadeira.

PS: Obrigada,"pai", por ser esse guardião de seu filho.



sábado, 16 de novembro de 2019

ACORDEI MORRENDO


Em 1990, quando pari, soube que não seria mãe de apenas um menino. Soube- acho que desde sempre- que quando temos filho, a casa se enche de festa à medida que eles vão crescendo. Não foi diferente comigo. Caiã nasceu muito pequenino, com olhos e boca grandes e um apetite enorme para com o mundo. Ele me ensinou a ser mãe-ou tentar ser-.
Com os passar dos  anos outros "filhos" foram se agregando. Esses me chamam de "tia". Muitos desses tiveram filhos e os filhos deles me chamam de "vó"...Vida que segue.
Mãe solo, não tivemos em casa a presença paterna, penso que isto fez com que em nossa casa um clube fosse formado. Ali, pelas minhas  retinas, vi crescer varões, assisti instantes de felicidades e frustrações, os vi adolescer, virarem homens e abrigar a meninice quando juntos.
 Alguns deles, prematuramente, nos deixaram. Morri um pouco em cada uma dessas vezes. Morri sem voltar pra mim. Morri.
Ontem, por volta das sete horas da manhã, fui acordada pelo toque do celular.Tremi. Feriado. Sete horas da manhã. Atendi... Morri mais uma vez.
Ele tem 21 anos, filho único e único em sua generosidade. Dono de um sorriso iluminado, de um abraço que abriga, de um jeito de caminhar com a planta dos pés de modo muito diferente. Um menino.Um menino.
Lembro-me dele chegando em minha casa numa ocasião.Era uma noite de sexta-feira. Todos iriam a uma festa, mas menor não entrava. Nos olhos dele uma decepção enorme. Eu  disse a ele que não ficasse assim, pois cada coisa tinha seu tempo. Ele disse, fazendo buxixo, "queria muito ir". Daí Caiã lhe disse que não iria  a festa, apra poder  ficar com ele. Eles iriam a outro lugar juntos. Achei lindo! Acho lindo quando se abraçam, beijam, sem preconceitos, com afeto, coisa de irmão,de quem sabe ser eterno. Vejo os meninos se cumprimentando assim. Esse jeito de abraçar e chamar de "mano" me dá a certeza de ter alinhavado certinho essas gentes. Bordado a mão, feito com calma, trazendo um avesso bem cuidado a modo de não descosturar.
Depois desse dia, vi, pela coxia, o espetáculo da vida ensaiando esses meninos. Os vi crescer em seus sonhos, os vi  brincando, trabalhando, arquitetando a vida,  e me vi com eles.
Às vezes  encontrava com ele, Pedro,  na rua. Era uma festa! Perguntava por sua mãe e ele respondia sempre com um "minha rainha", no final. Outras vezes, na varanda da casa de "Noca" nos divertíamos entre cervejas, conversas, músicas ruins- detesto o funk que eles gostam-, caranguejos,churrascos e planos para mais tarde.
A casa de "Noca" perdeu mais um de seus meninos, mais uma cadeira vazia. Morri mais um pouco ao escrever isso.
Queria ter a capacidade de fazer o tempo voltar...
Choveu o dia todo de ontem. Chovi o tempo todo.
Ninguém recebe um adeus com felicidade, mas não posso deixar de receber essa separação com a fé em Oxalá, pois senão nada terá valido a pena.
Sei que Pedro viveu seu tempo, aqui, com honestidade, perseverança, bondade, fé, distribuindo amor. Pensando assim- como me ensinou Chico Xavier- creio que depois de sua passagem, ele terá- depois do susto- uma vida espiritual plena de felicidade e retornará mais evoluído.
Não há nada para amenizar a dor de agora. Rezo por Carla. Rezo pra ela ter paz. Não sei mensurar essa dor, mas espero que ela saiba o quanto foi privilegiada por ser portadora dessa semente. Por ter regado de maneira tão amorosa e fazê-lo ser jatobá. Que ela saiba que através do seu ato de dar à luz,  o nosso mundo conheceu esse ser tão especial.
Que privilégio  ter conhecido Pedro e ser tantas vezes abraçada por ele, ser chamada de tia
Esteja em paz, querido.
Até um outro carnaval!

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

A vida não é nada além de uma sombra que anda, um pobre ator que pavoneia e lamuria seu instante no palco e depois não é mais ouvido: é um conto contado por um idiota, cheio de som e fúria, significando nada. William Shakespeare




Tenho admiração por inúmeros artistas. Acompanho carreira, finjo ser casada com um, sou -no meu dentro, amiga íntima de outros. Vou me inventando à medida em que eles se reinventam.
Construí parte do meu  palco assim, observando àqueles que vejo grandes,que sempre soube grandes, mas não intocáveis. 
Que graça teria conquistar uma legião e não ser humano para com ela?
Ontem foi dia do professor. Serei objetiva, ou tentarei, pra falar de uma mestra que nunca me soube aluna, mas fui. Sou.
A primeira vez que a vi, foi no ano de 1981. Ela aparecera na sala de minha casa presa em uma caixa que estava aberta para o mundo.Tínhamos um aparelho de TV da marca Philips tubo, na cor marrom.
A minha primeira aula com aquela mulher/atriz/bruxa portadora de um timbre invejável e de quem as mãos eram celebres foi na novela "Baila Comigo" cujo papel interpretado por ela era de uma atriz, Silvia. 
Lembro-me que Lilian Lemmertz interpretava Helena, e que Fernando Torres era seu par... Tela repleta de DEUSES, eu diria.
Uma força feminina pulsava e tecia em mim aquilo que eu queria ser e fazer:a arte de interpretar.
Depois foram muitas outras gentes que  a vi incorporar na TV. Vó Manuela mexeu comigo, tocara minha alma de maneira pessoal devido ao misticismo que ela apresentava, e ao olhar que a atriz emprestara à personagem. O tom da voz me inquietava e despertava em mim uma grande curiosidade, pois tinha uma partitura diferente de tudo que eu escutava. Passei a ler em voz alta tudo que via.Esse hábito fez eu criar minha própria partitura e nuances para tal.
Todas as palavras, frases e textos ganhavam vida nas vidas que eu a via interpretar.
Fernanda pariu Naná, Dora, Zazá, Nossa Senhora, Luíza, Bia Falcão, Candinha, Dona Picucha, e a surpreendente Tereza que ao lado da maravilhosa Nathália Timberg, Estela, nos revelou o grande bueiro que o nosso país "cristão"é.
Naquele momento eu vi o quanto preconceituosa é a nossa terra brasilis. O quanto desrespeitosos foram com duas atrizes consagradas que deram significância ao amor entre duas mulheres mais velhas. Como foi bonita a maneira que as duas revelaram  a sensualidade,a intimidade e a coragem de se fazerem femininas,com libido, respeito e amor,mesmo na fase mais madura da vida.Vivemos em um país onde existe data de validade para amar. Isso significa que, para muitos,o amor,o desejo morre antes que o corpo.
Bem , Fernanda completa noventa anos. Em comum temos o fato de sermos librianas, filhas de Vênus e de mantermos uma fé enorme na vida.
Essa mulher foi imprescindível na minha escolha.A ela devo minha insistência, minha dedicação, minha exigência para com o meu ofício de atriz e minha disciplina.
Com ela aprendi que ator não mente, não engana, pois ele aplica sua mais profunda seriedade em ser aquilo que ele não é. Aprendi a me expor, a perder minha alma no instante em que não sou eu, aprendi a sair e voltar ao mundo.Essa é a mais louca viagem... Ser a minha própria criação e ao mesmo tempo a criação do outro. Ser eu mesma e tantas outras em mim mesma sem ser eu. Aprendi a ser sujeito e objeto, causa e fim, revelação e mistério, instrumento e matéria. Aprendi a pensar na cena sem me abandonar em cena.
Não tenho palavras para agradecer o tanto que aprendi com sua atuação sempre pontual, grandiosa e humana.
No teatro assisti apenas dois espetáculos. Fedra e Dona Doida foram meu deleite, mas confesso que não assistir Viver Sem Tempos Mortos, causou um desespero em mim.
Senhora das senhoras, quanta honra em trocar um abraço,escutar um pouco de você através de você. Nada direi sobre "despolitica". Não alimento de iguarias os porcos.
Hoje é dia de FESTA! Desejo que os mestres de nossa carpintaria estejam com você,que o tempo continue sendo generoso com sua trajetória,que eu tenha aulas e mais aulas com suas interpretações e,por fim, que eu continue tentando sair do inferno, pois para isso criamos.
Que seja de luz, coxias, dúvidas, ensaios,leituras, estreias,empatia e afetos os dias que virão!
Evoé!
Gratidão pela sua existência!

segunda-feira, 24 de junho de 2019

SAUDADES 'DOCÊS" TUDO!



Em julho de 2018 fui ver meu amigo tão amado que estava internado no INCA. Chorei muito ao encontrá-lo. Chorei de saudades que estava dele, chorei por me sentir impotente demais diante daquele momento, chorei porque 24 anos antes eu estava internada naquele hospital e senti medo e raiva de Deus por eu ter que encontrar meu amigo justo naquele lugar, confesso.
Ele me apresentou aos demais companheiros de quarto como a "Fernanda Montenegro"- ele sempre me aprontava essa-. Conversamos, rimos,choramos... O celular dele tocou e com aquele jeito único e debochado de ser  quando foi  arguido sobre seu paradeiro, ele disse que estava em um boteco, bebendo umas. Desligou. Disse -em tom de desolação-"Ligam, mas não aparecem pra me visitar".
"Eu vim", disse.
 Saí de lá com uma certeza horrível- detesto quando isso ocorre- eu não o veria mais aqui nesse templo. O riso de garoto peralta estava amarelo. Não queria comer e andava com muita dificuldade. Senti mais raiva de tudo. Da industria farmacêutica, da industria tabagista, de tudo. A gente sempre quer imputar a culpa em algo ou alguém, mas são nossas escolhas que nos adoecem.
 Dias depois de minha visita, ele foi... fez a passagem, voltou para casa, como costumo dizer.
Vez em quando ele vem me visitar à noite. Conversa comigo em sonho e me diz com aquele olhar de menino levado: "te amo, véia! Não se deixe enganar e saiba que os hipócritas sempre estão no poder quando a gente não assume nossas posturas".
Com Joca e Laís aprendi a amar sem fazer jejum. Sei que eles estão bem. Essa minha esperança na eternidade me deixa essa certeza. Talvez seja, como disse certa vez um amigo, uma ideologia que consola. Nem ligo.
Indagorinha ele me acordou. Estava com a nega Kapi. Ri deles, do que diziam. Foi rápido, mas me tirou o sossego. Talvez, pela minha preocupação com meu novo trabalho teatral, eles estejam querendo me convencer de que tudo dará certo, que estou com um texto sublime e com uma direção cênica irretocável.
Lembro-me do quanto eram irreverentes, humanamente irreverentes- como na foto que posto acima- foi aniversário de um dos dois na Toca Dos Amigos. Roberto, dono do bar, e Lolô  que tocava naquela noite e que muitas noites fico com Joca cuidando e mimando o amigo, também não estão nesse templo terráqueo. Voltaram pra casa também. Certo que já se encontraram.
Eles riem alegres e estão em um bar. -O sonho é meu, logo não creio em pecados-. Pouco demora esse nosso encontro. Acordo- sou doida- pego o texto e recomeço a leitura. Estou em lágrimas enquanto escrevo.
No fim- agora-, lembrei que quando soube que ele havia retornado à casa, escrevi para Ocinei Trindade uma pequena prosa  sobre o que sentia.
Pra você, Joca, com todo o amor que trocamos nessas nossas certezas de sermos eternos.
Te amo. Amo os dois que vieram me visitar. Estejam na paz!

Acabei de entrar na Catedral de Brasília. Fui tomada por um canto gregoriano que invade minhas entranhas e aflora minha pele.
Não sei qual será a peleja de Deus com o Diabo à chegada de meu companheiro lá onde nada é finito. Sei, com certeza, que um dia ainda nos veremos. Nem quero que seja breve, afinal tenho sonhos nossos que ainda dançam na minha carcaça de esperanças.
Os homens de terno rezam por alguma coisa ou alguém. Também isso me enche de esperanças. Choro de saudades, mas, sobretudo,de certezas.
Certo que fomos amigos leais, ousados, linguarudos, amantes de Atafona, erronhos e etílicos. Certo que fomos humanos e poetas.
Encaro a Pietá embargada de poesias... estou sozinha e choro.
Deus estava de preguiça .Calçou suas havaianas,puxou o cordão da bermuda, prendeu os cabelos e foi receber Joca na entrada do universo. Joca, muito fanfarrão, abre os braços e grita: É, companheiro!! Era essa a hora!! Festejemos!! Nada pode ser pior! Viu Lalá e Kapi? Preciso deles para tecer possibilidades de ajudar aqueles que ficaram por lá,  pois a coisa tá perdendo o prumo.
Maria aparece, olha para Jesus, balança a cabeça -daquele jeito que as mães fazem quando nos reprovam-, olha com olhos ternos para Joca e diz com voz serena: "Acalma tua alma. Temos todo o tempo do mundo".
Coloca-o despido e livre em seus braços e pede pra que ele durma em paz.
Fica na paz,amigo querido.
Estou aqui, tá?!


ENSAIOS E DESCOBERTAS DO SER EM LABIRINTO

 " Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor.
    Qualquer amor  já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura. Deus é quem me sabe"

Cá estou. Ensaio todos os dias escrever algumas coisas aqui. Ensaio algumas impressões enquanto vou construindo em mim Maria Deodorina da Fé Bettancourt Marins. Enquanto desconstruo Diadorim, e enquanto atravesso essa "terceira margem do rio". Viver é muito perigoso. Teatro é muito perigoso. Guimarães,o Rosa, é um cabra cheio de mistérios que vou descortinando na travessia desse meu sertão. Também ele é muito perigoso. Ele vê o diabo na rua, no meio do redemunho... vejo o diabo nas contradições. Dona Arlete escreve de um jeito muito perigoso.Rossi me joga nesse labirinto perigoso em constante construção.
 "Desmediu minha ideia: o ódio- é a gente se lembrar do que não deve-de; amor é agente querendo achar o que é da gente."
Ensaio de maneira lenta. Assim sou. Assim respiro de verdade a personagem que não sendo sou. Fico dias com o texto nas mãos, depurando as palavras, as intenções,construindo de maneira imaginária os "gestus".
Há, nos encontros com o diretor, as descobertas de decisões sobre a personagem. Decidimos o que fazer e o que não fazer. Sabemos que o público deve aprender mais sobre a personagem do que aquilo que a autora colocou sobre o papel. Daí vem meu corpo, minha voz, minha emoção e uma escrita/partitura que devo construir. Tarefa árdua, que exige tempo para depuração e descobertas.
Estudo o texto. Sei muitas falas. Em mim estão soltas, se afinando e dando vida/sangue a esse ser que se assume tão verdadeiramente feminista e fêmea.
Enquanto estudo, paralelamente, leio outros textos sobre o fazer teatral para alguns dramaturgos. 
Brecht disse certa vez que "a personagem não é fixada num molde definitivo, é uma criatura que se move". Também eu sou personagem nesse palco chamado vida. Estamos em movimento interno e externo. Somos uma. Sou eu e todos eles em mim. Difícil. Perigoso. Levo a sério essa personagem, mas rio dela. Ela tem um lirismo rude e uma dependência ao amor imensa. Talvez por não ter conhecido amor algum na vida senão aquele que não podia assumir,mas que era recíproco. " Ah , meu senhor! - como se o obedecer do amor não fosse sempre o contrário..." 
Vou praticando o jogo, comigo mesma e, igual a Deodorina, vou vivendo com medos e cuidados. É um desafio enorme viver essa mulher talhada nessa narrativa. Uma narrativa que nos revela , ou nos possibilita entender uma das possibilidades de existência dessa mulher que o Rosa não deu voz, mas Arlete decidiu dar à luz e nos asfixiar com suas colocações. 
Praticando esse jogo vamos cuidando de cada detalhe, vamos conhecendo e reconhecendo cada ser humano que compõe a obra, vamos buscando fazer uma reprodução verdadeira a partir das observações que não estão em notas de rodapé, mas no subtexto. 
Penso na feiura de alguns desses personagens tostados pela aridez do sertão.Vou desenhando e me assustando.Viver tão provisoriamente esses personagens é tarefa muito dificultosa. Acreditem. Não estamos a serviço de uma arte pela arte. Estamos construindo as emoções não com lembranças do que vivi, mas com lembranças de Diadorim, Reinaldo e Riobaldo. 
Estamos em cena para travar um combate útil a sociedade, pois para Brecht a sinceridade só interessa se for socialmente útil. Não estou ali para reviver minhas dores, amores ou relações. Estou, junto com Rossi e Arlete,  para criar a vida dessas personagens e não permitir que seja uma repetição, pois o mundo dos espectadores tem de ser renovado. Cada plateia é uma, cada dia de espetáculo é único. Isso faz com que as representações não se esclerosem.
Vamos encontrando os distanciamentos tão exigidos por Brecht. Isso cria em mim um fascínio, mas sei que,  também isso, é mais difícil. Vamos levando a plateia a fazer parte da luta , a tomar partido politicamente, a não ser imparcial. 
Gosto do cuidado estético que discutimos. Os deslocamentos de cada cena, como se fossem quadros, o diálogo com tecnologias,uma narração de jogo de futebol, o desenho de uma coreografia. Jogo comigo e com a plateia. Jogo comigo e com todos os  outros "eus" que estão em cena comigo. Uma loucura que dá gosto e medo.
Cada cena já construída- mas que precisa ser alinhavada- existe em si mesma, não é uma simples transição para a cena seguinte. Tudo é quase uma cena que conheço. A cena final. Aquela que surpreende. Aquela que me surpreende.
Esse teatro tem um sabor- ao menos para mim- de tempos longos para o estudo. É um teatro, como diz Brecht, que não pode ter data marcada, pois não é comercial. Merece ir para cena quando estiver, de verdade, pronto.Verdadeiramente orgânico. O ator controla seu desempenho, permanece fiel a direção, não se perde. A cada fase do espetáculo ,ele parte do zero, vai de ruptura em ruptura sem nunca se embalar.
Descobri, com esse texto, que o tempo é mais lento no teatro épico do que no dramático.É preciso dar ao espectador tempo pra "pensar" as frases que são ditas. Tudo isso, mais a descoberta dos "gestus" nos leva ao entendimento que um espetáculo exige de longo estudo.
Esse é um espetáculo tão latente, latejante, pulsante que merece tempo. É um espetáculo politizante, árduo, verdadeiro e atemporal, pois aquilo que se passa em cena atravessa constantemente o nosso mundo.
Que a estreia desse sujeito palavra seja objeto de compreensão e realizaçãopara cada um de nós envolvidos nessas Veredas. 

quarta-feira, 24 de abril de 2019

O TEMPO






Retornar é sempre um desafio.Retomar uma escrita que parece cansada é descortinar um tempo. Não escrevo publicamente há tempos.Acho que sou movida à alegria e os novos tempos, com esse fétido hálito de velho, tem me roubado o destino de ser melhor, ou crer no melhor. Por outro lado, tem fincado meus pés em mim. Em territórios que nunca ousei penetrar por saber-me lá no dentro. A vida
está em estado de alerta. Todos os dias parece que alguém sacode meu tronco e as folhas todas são jogadas ao chão e os frutos não amadurecem. Tempos difíceis esses. Tempos de socos e porradas, tempos de famílias alvejadas, tempos de negros empoderados e capitães do mato fardados.
Poderia escrever sobre muitas coisas nessa minha tentativa de retornar, mas parece que as cinzas das horas, a bestialidade do tempo e o desafeto estão no poder. Isso azeda a escrita.
No entanto, os dias não estão assim por motivos cosmopolitas. Minha dor não sai no jornal, mas vira manchete na rede social. Não quero escrever sobre a "besta-bozo",mas parece uma praga. Tudo está, de alguma forma, ligado a esse desgoverno. Acordamos um belo dia e descobrimos que dormimos com vários inimigos. Que coisa insuportável nos encarar de forma desconfiada. Estamos desconfiando de tudo e de todos. A banalidade do mal foi instalada no vácuo do pensamento e a violência foi naturalizada.
Sinto-me violentada. Todo dia. No trabalho, na rua , na padaria.
Escuto algumas pessoas dizendo que estão anestesiadas e que não se surpreendem com nada. Um bando de gente por aí levantando a bandeira da crueldade e um outro bando inerte enquanto a reforma da previdência vai sendo aprovada.
Morrem Claúdias, Margaridas, Marielles. Até quando? Não lembramos os nomes das vítimas desse ano, né? Também não lembramos em quem votamos para vereador e deputado e senador. Estamos sem tempo de nos dar tempo para rever nossas escolhas. Estou sem tempo de escrever ou estou com medo de me comprometer? Estarei pagando uma divida que não vim ao mundo para pagar?
O tempo anda temperando meu pranto com aquilo que me falta e com o menos que tenho tanto.
Quero acrediar no homem. Não quero acreditar em esquerda ou direita.Perdemos uma possibilidade de fazer história.Não tem jeito. A fratura será exposta.Está sendo posta a prova. O tempo me fez reconhecer que não há idoneidade naqueles que representam o povo. O tempo está amargando o meu tempo,mas eu creio no homem.
Acho que era pra isso essa postagem.Pra dizer que creio no homem.
Então,HOMENS!! Ainda temos tempo! Sejamos sábios e façamos o nosso papel.Sejamos juntos.Ainda temos um TEMPO!

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

MENTIRAS




Não te beijei à toa naquela noite
Beijei tua boca e lambi tua alma
Desesperada dancei em teu corpo
Não tive volta
Cravei meus dentes em tuas costas nuas
E gozei pra dentro
Fingir ainda é um orgasmo
Caprichei nas mãos
Me criei asas
A liberdade de estar presa a você
Deixa enjaulada minha covardia
Só te abro as pernas
Por estar coberta de coragem
Um dia... Ah!! Retiro de ti essa armadura de macho
Te presenteio com um mundo
Te ensino a fazer como faço
Escrevo pra você uns tontos versos
E finjo entender porque nunca, em mim,
Te mato.

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

SERÁ QUE EU CRESCI?




Lembro-me de quando era pequena e minha infância era recheada de histórias e “causos” narrados pela minha mãe e pelas professoras que me embalaram no Jardim de Infância do instituto de Educação Professor Aldo Muylaert.
            Desde sempre fui tragada pelo reino do faz de conta. Desde sempre as palavras foram minha vitrine mais visitada, meu castigo esperado, minha viagem à Terra do Nunca.
            Era muito comum construir histórias, transformar bonecas em personagens vivos, envolver todas as pessoas possíveis nesse que era meu delírio escolhido.
Minhas bonecas tinham roupas pra tudo. Minha mãe as costurava à mão. Elas tinham nome, filiação, endereço... Tinham uma história que eu construía com data de nascimento e signo. Uma poeta já habitava em mim sem que eu, sequer, desse conta disso.
            Nunca fui das exatas. Isso me fazia detestar as aulas de física, química e matemática. Aprontava. Sempre tinha um experimento novo para realizar na sala de aula, pois sabia que isso deixaria os professores enlouquecidos.
E aí acontecia o que eles NUNCA desconfiaram... Eu adorava ser “castigada”. Isso mesmo. CASTIGADA. Eles olhavam para mim- parece que estou vendo-apontavam para a porta e chamava o coordenador de turno, “seu” Amilar. Ele vinha com aquelas mãos imensas, unhas sujas, e segurava meu braço murmurando: “não tem jeito”, e me conduzia até a biblioteca. Eu era a pessoa mais feliz do mundo! Quantas letras, quantas palavras, quantas frases, quantas histórias!
            Li muitos livros tecendo essas traquinagens. Fui absolutamente feliz nesse meu castigo. Tornei-me um ser apaixonado pelas letras. Para mim, letras são bordados, são pinturas, e são vivas!
            Nessa época eu já estava no “ginásio” e podia escolher entre aula de Educação para o Lar (rsrsr), Técnicas Comerciais ou participar do Orfeão. Sem demora pra escolher, sem perguntar aos meus pais, não hesitei em adentrar àquele lugar mágico que era o auditório (Senhor! Esqueci o nome!). Pela primeira vez vi um piano de cauda. Pela primeira vez vi aquela que desenhou, definitivamente, o que eu queria fazer na vida. A minha frente estava uma mulher baixinha, com os cabelos muito finos e raros parecendo ter uma espécie de enchimento. Ela era uma personagem. Regia com o corpo, com os olhos com a alma. Ela estava ensaiando um tributo a Vinicius de Moraes. Eu estava sentada assistindo aquilo como se fosse explodir. As palavras... as palavras saíam do papel e estavam reverberando naquele espaço. A palavra ganhara corpo, ganhara melodia. A palavra foi transformada em TEATRO.
            Ela começou a reger a canção “Eu sei que vou te amar” do Tom Jobim. Chorei. Ela perguntou se alguém sabia o soneto de Fidelidade do “Poetinha”. Ninguém se moveu. Foi assim que vi, pela vez primeira, tapetes vermelhos se estenderem diante de mim. Com toda emoção e fé cênica - hoje eu sei que é isso - eu fiquei de pé e disse liricamente comovida:

“De tudo, ao meu amor serei atento antes
E com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa lhe dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure”

            Fiz parte do Orfeão até me formar no curso de Normalista. Depois, na FAFIC, participei do Coral. O canto coral nunca mais foi o mesmo. Transformávamos letras de música em texto, construíamos diálogos com refrões, enfim, dávamos à literatura o valor de seu papel que não é o de ser somente disciplina, mas de ser arte.
            Sendo assim, a pretensão é analisar um texto literário tendo como foco seu eixo dramático. Para isso escolhi as Cinco cartas Portuguesas de Soror Mariana Alcoforado. São epístolas com teor mais teatral que pude ver na vida. As palavras saltam das páginas e ganham vida diante do desespero de uma mulher que é vista como santa, por ser uma abadessa. Que sendo freira é rapidamente estereotipada como a virgem Maria, mas que no fundo fora uma mulher que pecou como Eva. Que se deu ao desfrute de “comer” do fruto proibido. A partir daí foi criada a primeira imagem negativa da mulher, pois ela leva Adão ao pecado. O fruto foi comido pelos dois, mas foi sobre a primeira mulher que fora lançado o estigma da negatividade. As cartas revelam uma condição feminina no século XVII que muito vemos em pleno século XXI.
            A minha pretensão é fazer a análise do discurso dessas cartas para o palco, alinhavando cada uma delas com letras de musica do século XXI para que o espetáculo tenha uma discussão sobre a questão de gênero.
            Fosse um padre que recebesse em sua clausura uma mulher, teria a igreja feito uma grande reforma em suas leis? Só a mulher é direcionada para ser casta?
Quero conduzir o trabalho defendendo a arte da palavra, defendendo a literatura como linguagem artística, rica em sentidos e sonoridades, rica, sobretudo em imagens que podem estar dramaturgicamente em cena.
            Os sentimentos que permeiam as cartas são explícitos: saudade, abandono, medo, tristeza, solidão, paixão, carne, súplica, desespero, esperança.
Essa temática do amor não correspondido, do abandono não é inerente a um determinado período, mas manifestado em diversas épocas, cantado e interpretado nos palcos e bares da vida. Não há preocupação em imprimir características literárias em suas epistolas. A preocupação é a de se fazer ouvir, a preocupação é gritar por esse amor, é ser o objeto de desejo para aquele homem a quem se entregou.
Que saibamos nos construir e nos desconstruir apesar dos equívocos sobre a potencialidade dos gêneros quanto os seus afetos.

terça-feira, 31 de julho de 2018

MEU OLHAR SOBRE O CERRADO





Nasci em outubro, em um fim de tarde matizado pela primavera, mas sem vontade alguma de sair do conforto do ventre de minha mãe. Fui retirada do meu hotel cinco estrelas por um método denominado fórceps.
Começo essa narrativa dessa maneira pra me fazer entender o quanto esses últimos tempos têm causado estranhamento em mim. O quanto está sendo difícil conseguir entender o mal que está dominando nossa sociedade.
Há tempos sinto-me estranha no meu habitat.Coisas da idade- acho-. Decidi então sair e conhecer um lugar que parecia me chamar para essa descoberta desde a década  de noventa.
Atrevi-me a esse descortinamento.Comprei passagens, fiz pesquisa, arrumei bagagens,tracei trilhas- não necessariamente nessa ordem- e  comecei a me despedir de um ser que estava habitando o meu ser e que não fazia parte de mim. Havia sido tomada por uma tristeza infinita,um descontentamento primário, uma saudade nostálgica do que já havia matado,mas que , de fato, não havia morrido.
Fui... Ir é sempre uma estratégia para voltar a nos conhecer, a nos reconhecer, a nos reamar, a nos perdoar.
Nessa imersão tive uma série de surpresas, passei por estágio de desespero -um amigo "voltou para casa" e não pude estar com minha mão sobre a dele, como prometi. Ao saber dessa notícia,corri para a Catedral de Brasília. Adentrei naquela coroa vista de fora e fui recebida por um canto gregoriano que me fez chorar por tempos indefinidos. Anjos imensos cortam o "céu" daquela igreja. Eles possuem o mesmo tamanho, mas as distâncias em que  estão pendurados os tornam proporcionalmente diferentes. Rezo. Rezo enquanto choro. Rezo enquanto brigo com Deus. Rezo por sabermos íntimos. Rezo pra ter em mim um refúgio. Rezo para não esquecer das conversas com meu amigo. Rezo e continuo brigando com Deus. Sou tão pequena diante dessa obra. Sou tão grande perto de mim.
Estou em Brasília. Ela me serve de atalho para o lugar que é o meu mundo. Fui crendo nisso. E é.
Brasília foi minha pausa. Meu urbano conhecendo o grande urbano. Mas esse não era o meu caminho. A minha ancestralidade estava mais além. Além até de meus sonhos mais remotos. O cerrado é o lugar mais surpreendente do mundo. Comecei a ver isso pela janela do carro que peguei carona. Sim, isso também estava no pacote, conhecer pessoas e dividir histórias com elas. Fomos de Brasília à Alto Paraíso conversando. Minha primeira carona foi um moço muito afeiçoado, simpático e, como eu, à sua maneira, um  caçador de si.
Chegar à Vila de São Jorge, no Goiás, foi chegar o mais perto de mim e de toda uma história que acredito. A Vila me atravessou, me arrebatou, me comoveu. A Vila colocou vida em meus olhos, bordou risos em minha alma, me religou. Que gente linda habita aquele lugar! Uma gente amoral eu sei, mas até isso é legítimo. São de uma brasilidade surpreendente. Os índios! Como descrever ou escrever sobre? Santo Darcy, bem podia me ajudar. Eles são tão amigáveis, são férteis em seus olhares, são cheios de força que extraem daquele lugar. Pisam na terra com tanto furor   que, certamente, estão nos dizendo que aquele é, e sempre foi o território deles.
Os Quilombolas. Meu Pai! Eles são a nossa verdade, a nossa essência, a nossa descoberta tão existente. Não sei de onde, diacho, eles possuem tanto brilho! Eles preparam garrafadas, remédios da terra, e são capazes de prosear por horas contando suas histórias e nos ensinando beberagens.
Assisti a tantos espetáculos naturais, meditei, mergulhei, ri, chorei, me apaixonei por mim! Que reconforto me sentir de volta e me entender.
Mas qual o porquê dessa minha escrita tão fora de hora? Seguinte. Estava assistindo a entrevista do programa Roda Viva, cujo o entrevistado é o erro que diz ser candidato a presidente do país. Não consegui assistir tudo, pois me recuso ver tanta ódio destilado por um ser tão desprezível. Perda de tempo. Tantas coisas estão na minha mente. Minhas melhores lembranças desses últimos dias reverberam em mim e me fazem lembrar de seres especiais que conheci. Uma gente valente, que acredita na mudança do país. Uma gente que não está em sala de aula para repetir discurso, mas que sabe que é preciso estar atento e forte nos dias de hoje.
Ao assistir a entrevista, percebi o quanto o objeto entrevistado- ele não é sujeito- era a própria expressão do ódio. Então, não pude continuar a ver. Não depois de trazer em mim tanta pureza de um lugar. Não depois de ver um por do sol do Mirante da Janela do Céu, ou de me banhar na Cachoeira Santa Bárbara e cantar pra Oxum, não depois de meditar no Encontro das Águas, conversar com Doroti- uma professora de teatro que trabalha com nativos- , não depois tomar o chá de Dona Cecília- uma raizeira que tem a crença nas mãos- , não depois de me verter em lágrimas com os mimos dados pelo Juliano- fundador da Casa Cavaleiro de Jorge, não depois de ser abraçada pelos quatro mosqueteiros:Allan, Cléverton , Halanne e Jéssica.
São essas coisas. Essas pequenas coisas que fazem morada nessas grandes pessoas que não se deixam coisificar. São humanamente humanas.
Escrevo para que não exercitemos, mesmo diante dessa insana entrevista, nenhuma especie de falso moralismo. Escrevo para que não alimentemos essa truculência e essa falta de inteligência.
A Vila me guiou para uma dimensão em que não posso alimentar o predatório. A vila me ensinou que o meu tempo tem que ser reorganizado, que sou uma heroína, pois disputei uma corrida louca até ser embrião e ser retirada a fórceps.
Essa minha viagem me educou para a fé e para o amor. Eles estavam aqui, mas o velho modelo de consumo, aceitação e urbanidade me turvaram essa visão.
Que eu me retire da sala sempre que o assunto me destorcer. Que eu, você e as pessoas que acreditam nelas mesmas e nos outros tenham o discernimento de fazer do seu tempo um reconhecimento de si mesmo.
Que façamos uma boa viagem!




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