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segunda-feira, 24 de junho de 2019

SAUDADES 'DOCÊS" TUDO!



Em julho de 2018 fui ver meu amigo tão amado que estava internado no INCA. Chorei muito ao encontrá-lo. Chorei de saudades que estava dele, chorei por me sentir impotente demais diante daquele momento, chorei porque 24 anos antes eu estava internada naquele hospital e senti medo e raiva de Deus por eu ter que encontrar meu amigo justo naquele lugar, confesso.
Ele me apresentou aos demais companheiros de quarto como a "Fernanda Montenegro"- ele sempre me aprontava essa-. Conversamos, rimos,choramos... O celular dele tocou e com aquele jeito único e debochado de ser  quando foi  arguido sobre seu paradeiro, ele disse que estava em um boteco, bebendo umas. Desligou. Disse -em tom de desolação-"Ligam, mas não aparecem pra me visitar".
"Eu vim", disse.
 Saí de lá com uma certeza horrível- detesto quando isso ocorre- eu não o veria mais aqui nesse templo. O riso de garoto peralta estava amarelo. Não queria comer e andava com muita dificuldade. Senti mais raiva de tudo. Da industria farmacêutica, da industria tabagista, de tudo. A gente sempre quer imputar a culpa em algo ou alguém, mas são nossas escolhas que nos adoecem.
 Dias depois de minha visita, ele foi... fez a passagem, voltou para casa, como costumo dizer.
Vez em quando ele vem me visitar à noite. Conversa comigo em sonho e me diz com aquele olhar de menino levado: "te amo, véia! Não se deixe enganar e saiba que os hipócritas sempre estão no poder quando a gente não assume nossas posturas".
Com Joca e Laís aprendi a amar sem fazer jejum. Sei que eles estão bem. Essa minha esperança na eternidade me deixa essa certeza. Talvez seja, como disse certa vez um amigo, uma ideologia que consola. Nem ligo.
Indagorinha ele me acordou. Estava com a nega Kapi. Ri deles, do que diziam. Foi rápido, mas me tirou o sossego. Talvez, pela minha preocupação com meu novo trabalho teatral, eles estejam querendo me convencer de que tudo dará certo, que estou com um texto sublime e com uma direção cênica irretocável.
Lembro-me do quanto eram irreverentes, humanamente irreverentes- como na foto que posto acima- foi aniversário de um dos dois na Toca Dos Amigos. Roberto, dono do bar, e Lolô  que tocava naquela noite e que muitas noites fico com Joca cuidando e mimando o amigo, também não estão nesse templo terráqueo. Voltaram pra casa também. Certo que já se encontraram.
Eles riem alegres e estão em um bar. -O sonho é meu, logo não creio em pecados-. Pouco demora esse nosso encontro. Acordo- sou doida- pego o texto e recomeço a leitura. Estou em lágrimas enquanto escrevo.
No fim- agora-, lembrei que quando soube que ele havia retornado à casa, escrevi para Ocinei Trindade uma pequena prosa  sobre o que sentia.
Pra você, Joca, com todo o amor que trocamos nessas nossas certezas de sermos eternos.
Te amo. Amo os dois que vieram me visitar. Estejam na paz!

Acabei de entrar na Catedral de Brasília. Fui tomada por um canto gregoriano que invade minhas entranhas e aflora minha pele.
Não sei qual será a peleja de Deus com o Diabo à chegada de meu companheiro lá onde nada é finito. Sei, com certeza, que um dia ainda nos veremos. Nem quero que seja breve, afinal tenho sonhos nossos que ainda dançam na minha carcaça de esperanças.
Os homens de terno rezam por alguma coisa ou alguém. Também isso me enche de esperanças. Choro de saudades, mas, sobretudo,de certezas.
Certo que fomos amigos leais, ousados, linguarudos, amantes de Atafona, erronhos e etílicos. Certo que fomos humanos e poetas.
Encaro a Pietá embargada de poesias... estou sozinha e choro.
Deus estava de preguiça .Calçou suas havaianas,puxou o cordão da bermuda, prendeu os cabelos e foi receber Joca na entrada do universo. Joca, muito fanfarrão, abre os braços e grita: É, companheiro!! Era essa a hora!! Festejemos!! Nada pode ser pior! Viu Lalá e Kapi? Preciso deles para tecer possibilidades de ajudar aqueles que ficaram por lá,  pois a coisa tá perdendo o prumo.
Maria aparece, olha para Jesus, balança a cabeça -daquele jeito que as mães fazem quando nos reprovam-, olha com olhos ternos para Joca e diz com voz serena: "Acalma tua alma. Temos todo o tempo do mundo".
Coloca-o despido e livre em seus braços e pede pra que ele durma em paz.
Fica na paz,amigo querido.
Estou aqui, tá?!


ENSAIOS E DESCOBERTAS DO SER EM LABIRINTO

 " Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor.
    Qualquer amor  já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura. Deus é quem me sabe"

Cá estou. Ensaio todos os dias escrever algumas coisas aqui. Ensaio algumas impressões enquanto vou construindo em mim Maria Deodorina da Fé Bettancourt Marins. Enquanto desconstruo Diadorim, e enquanto atravesso essa "terceira margem do rio". Viver é muito perigoso. Teatro é muito perigoso. Guimarães,o Rosa, é um cabra cheio de mistérios que vou descortinando na travessia desse meu sertão. Também ele é muito perigoso. Ele vê o diabo na rua, no meio do redemunho... vejo o diabo nas contradições. Dona Arlete escreve de um jeito muito perigoso.Rossi me joga nesse labirinto perigoso em constante construção.
 "Desmediu minha ideia: o ódio- é a gente se lembrar do que não deve-de; amor é agente querendo achar o que é da gente."
Ensaio de maneira lenta. Assim sou. Assim respiro de verdade a personagem que não sendo sou. Fico dias com o texto nas mãos, depurando as palavras, as intenções,construindo de maneira imaginária os "gestus".
Há, nos encontros com o diretor, as descobertas de decisões sobre a personagem. Decidimos o que fazer e o que não fazer. Sabemos que o público deve aprender mais sobre a personagem do que aquilo que a autora colocou sobre o papel. Daí vem meu corpo, minha voz, minha emoção e uma escrita/partitura que devo construir. Tarefa árdua, que exige tempo para depuração e descobertas.
Estudo o texto. Sei muitas falas. Em mim estão soltas, se afinando e dando vida/sangue a esse ser que se assume tão verdadeiramente feminista e fêmea.
Enquanto estudo, paralelamente, leio outros textos sobre o fazer teatral para alguns dramaturgos. 
Brecht disse certa vez que "a personagem não é fixada num molde definitivo, é uma criatura que se move". Também eu sou personagem nesse palco chamado vida. Estamos em movimento interno e externo. Somos uma. Sou eu e todos eles em mim. Difícil. Perigoso. Levo a sério essa personagem, mas rio dela. Ela tem um lirismo rude e uma dependência ao amor imensa. Talvez por não ter conhecido amor algum na vida senão aquele que não podia assumir,mas que era recíproco. " Ah , meu senhor! - como se o obedecer do amor não fosse sempre o contrário..." 
Vou praticando o jogo, comigo mesma e, igual a Deodorina, vou vivendo com medos e cuidados. É um desafio enorme viver essa mulher talhada nessa narrativa. Uma narrativa que nos revela , ou nos possibilita entender uma das possibilidades de existência dessa mulher que o Rosa não deu voz, mas Arlete decidiu dar à luz e nos asfixiar com suas colocações. 
Praticando esse jogo vamos cuidando de cada detalhe, vamos conhecendo e reconhecendo cada ser humano que compõe a obra, vamos buscando fazer uma reprodução verdadeira a partir das observações que não estão em notas de rodapé, mas no subtexto. 
Penso na feiura de alguns desses personagens tostados pela aridez do sertão.Vou desenhando e me assustando.Viver tão provisoriamente esses personagens é tarefa muito dificultosa. Acreditem. Não estamos a serviço de uma arte pela arte. Estamos construindo as emoções não com lembranças do que vivi, mas com lembranças de Diadorim, Reinaldo e Riobaldo. 
Estamos em cena para travar um combate útil a sociedade, pois para Brecht a sinceridade só interessa se for socialmente útil. Não estou ali para reviver minhas dores, amores ou relações. Estou, junto com Rossi e Arlete,  para criar a vida dessas personagens e não permitir que seja uma repetição, pois o mundo dos espectadores tem de ser renovado. Cada plateia é uma, cada dia de espetáculo é único. Isso faz com que as representações não se esclerosem.
Vamos encontrando os distanciamentos tão exigidos por Brecht. Isso cria em mim um fascínio, mas sei que,  também isso, é mais difícil. Vamos levando a plateia a fazer parte da luta , a tomar partido politicamente, a não ser imparcial. 
Gosto do cuidado estético que discutimos. Os deslocamentos de cada cena, como se fossem quadros, o diálogo com tecnologias,uma narração de jogo de futebol, o desenho de uma coreografia. Jogo comigo e com a plateia. Jogo comigo e com todos os  outros "eus" que estão em cena comigo. Uma loucura que dá gosto e medo.
Cada cena já construída- mas que precisa ser alinhavada- existe em si mesma, não é uma simples transição para a cena seguinte. Tudo é quase uma cena que conheço. A cena final. Aquela que surpreende. Aquela que me surpreende.
Esse teatro tem um sabor- ao menos para mim- de tempos longos para o estudo. É um teatro, como diz Brecht, que não pode ter data marcada, pois não é comercial. Merece ir para cena quando estiver, de verdade, pronto.Verdadeiramente orgânico. O ator controla seu desempenho, permanece fiel a direção, não se perde. A cada fase do espetáculo ,ele parte do zero, vai de ruptura em ruptura sem nunca se embalar.
Descobri, com esse texto, que o tempo é mais lento no teatro épico do que no dramático.É preciso dar ao espectador tempo pra "pensar" as frases que são ditas. Tudo isso, mais a descoberta dos "gestus" nos leva ao entendimento que um espetáculo exige de longo estudo.
Esse é um espetáculo tão latente, latejante, pulsante que merece tempo. É um espetáculo politizante, árduo, verdadeiro e atemporal, pois aquilo que se passa em cena atravessa constantemente o nosso mundo.
Que a estreia desse sujeito palavra seja objeto de compreensão e realizaçãopara cada um de nós envolvidos nessas Veredas. 

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