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domingo, 16 de fevereiro de 2020

Só a Educação nos Libertará


Minha primeira postagem do ano da graça de 2020 é pra que eu não me esqueça do tempo. Que eu saiba qual a minha função em sala de aula,qual a minha postura diante de um momento tão árido que estamos passando no país.
Confesso que me assusta imensamente escutar noticiários, ler sobre os fatos e saber da veracidade deles.
O ano letivo teve início no ultimo dia 10 de fevereiro. Na reunião pedagógica acordamos que ,quem quisesse, poderia trabalhar o samba da Estação Primeira de Mangueira. Decidi que esse seria um bom texto para ser analisado, pois as colocações, o tema  são pertinentes ao momento vivido.
Sou mangueirense desde adolescente. As cores, a história da escola e o a história do Cartola sempre despertaram em mim curiosidade e afeto.
O samba de 1979 cujo refrão era " Tem mulata pessoal / Na colheita do cacau" fazia-me sambar e rodar sem entender que a Amazônia seria leiloada. A fonte de riqueza desrespeitada... enfim.
Ao longo dos anos fui ouvindo sambas que marcaram minha alma de passista- rsrrsr!-  Em 1984 a Mangueira foi campeã com um samba que homenageava Braguinha no "balancê,balancê".Tinha fogueteiro, São João,fogueira... Uma maravilha! Dez anos depois,em 1994, a escola homenageava Os Doces Bárbaros. Lá fui eu atrás do trio elétrico. Assisti ao show na quadra,bem no palco,causando inveja aos mortais... Anos depois foi a vez do poeta Buarque ,o gênio. São construções melódicas e letras pra gente refletir, pra gente se educar. Gosto dessa coisa de ver o povo defendendo uma ideia, um enredo, um espaço que sempre foi dele, do povo.
Farei um salto pra escrever um pouco sobre o comovente samba que a mangueira levou pra avenida no ano de 2019. Polêmico,verdadeiro,essencial. Uma aula de história que os livros não contam. Uma cor que a gente ignora, uma alma de que muitos se envergonham. 
Uma História para Ninar Gente Grande. Que enredo! Que coragem! Quantos de nós não sabíamos do muito que ali foi cantado. Não era um enredo sobre Marielle, mas sobre a nossa invisibilidade.  Lá estavam muitas personalidades desconhecidas pelo Brasil. Luíza Mahin, Chico da Matilde, Dandara. Lá também estavam as revoltas e rebeliões populares lideradas pelo povo preto, pobre,indígena e escravo do país. Um Brasil que não está no retrato, mas que a Mangueira fez questão de nos mostrar.
Lá estavam referencias sobre Navio Negreiro- sim eles existiram-, Lá estavam as multidões em verde e rosa, aquela gente que constrói a maior festa popular do mundo,os heróis de barracões. A Mangueira nos contou a história que a história não nos conta. Afinal...são versos que o livro apagou. Sangue retinto pisado... Ainda hoje.
Brasil teu nome é Dandara, devolve a essa mulher o protagonismo que ela sempre teve, mas também no aponta uma Dandara outra que foi morta a pedradas em 2017 em Fortaleza. A tua cara é de cariri. Nossa matriz índia que pede socorro. São muitos os pedidos de socorro. São muitas as pistas para que façamos o exercício de conhecer a nossa história.
Trabalhei a letra desse samba no ano passado e um infeliz escreveu em uma rede social que eu não estava cumprindo meu papel de professora. Que deveria dar aula de português e que uma análise de samba não era aula. 
Pesquisei sobre o sujeito. Descobri que não valia a pena entrar em discussão. "Pobrinho" ele. O sujeito,quer dizer, objeto, só fazia reproduzir discurso de ódio. Ele nutria, mesmo pobre, a convicção de que a elite tinha que estar no poder.
Bem, cá estou eu trabalhando com "A verdade vos libertará", que traz um Cristo muito humano, longe desse olhar bélico imposto pelas classes dominantes.
Faço análise da estrutura sintática, aponto passagens bíblicas,estimulo os alunos a pensar. Alguns falam que é heresia, outros discutem de maneira polida e me explicam coisas que eu sabia. Aprendo também.
Escrevo tudo isso pra relatar que na sexta-feira, às 7:20h, entrei na sala de aula e um aluno me entregou um bilhete. Tremi. pensei...lá vem censura, bomba, esculacho. Respirei fundo. Abri aquele papel que estava escrito com tinta azul. A medida que eu lia meus olhos mareavam. Sexta- feira e eu recebendo presente de um pai que se dizia emocionado com o relato de seu filho a respeito da aula dada.
Fiquei em silêncio enquanto eles olhavam pra mim. Em meu  rosto um  percurso de rio seguia pelo meu pescoço. 
 Saio de casa, diariamente, para servir as pessoas com meu conhecimento, com minha energia, com minha esperança. Estou respirando, mas pode ser o último dia e não vou desperdiçar meu tempo sendo vazia, medrosa, superficial. Não sou parasita, não nutro ódio pelo outro, não faço apologia a armas, não desrespeito a religião de ninguém, não comungo com fascismo,logo, vai ter feminismo em minha sala de aula, sim -se for pertinente-. Vai ter discurso contra o ódio, sim.Vai ter estimulo para que eles estejam em universidades públicas, vai ter carinho, Machado de Assis, Rubem Alves, Nelson Rodrigues e o escambau!
Se tenho medo? Sim, pois o medo faz parte da travessia. 
Recebi esse bilhete, mas também escutei de uma aluna, negra, que ela admira Hitler. Morri por alguns instantes. Perguntei se ela sabia quem tinha sido essa figura. Lá vai outra aula. Mas não é português, né? Quem a fez repetir essa coisa tão abominável? O que ela ficou fazendo na escola esse tempo todo? 
Depois uma outra disse não ler o texto, pois ele era sem sentido...????
Mais uma aula. A menina é evangélica. Expliquei que não estava analisando o texto à luz da religião, mas com a ótica da semântica. Ela não sabia o que era semântica. Mais uma aula.
Tenho um propósito. Nele não há espaço para o raso. Se eu morrer amanhã tem que ter valido a pena. Então, darei minha melhor aula, farei meu melhor espetáculo,meditarei até minha alma sorrir e serei de verdade.
Só a educação nos liberta, sendo assim, tem que ser verdadeira.

PS: Obrigada,"pai", por ser esse guardião de seu filho.



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