contador de visitas
Selecione o Idioma

Postagens populares

terça-feira, 7 de abril de 2020

EM TEMPO DE QUARENTENA


Estou ensaiando há dias uma escrita. As palavras ficam meio tímidas, não se atrevem a ser. Aliás,ser palavra, ser pensamento, ser história passou a ser uma só coisa. Sobre essa coisa, prefiro não falar, pois já há especialistas demais falando sobre isso.
Escreverei sobre meu ser. Sobre tentar ser alguém que não siga esses padrões que a mídia está criando. De um lado os raivosos, que alimentam seus medos imaginando estar combatendo a tirania do inominável. Quanta perda de tempo e gasto de energia. Estão dando ibope demais àquele traste.
Por outro lado, os cegos que defendem o mesmo desprezível verme. Temos outras coisas para nos preocupar. Aliás,nunca, em toda minha vida trabalhei tanto. Uma função sem fim. Lava, limpa, desinfeta, arruma, passa, desinfeta, limpa sapatos, troca roupas de cama, banha cachorro, quintal, rega plantas... Como achar tempo pra perder tempo com algo que não vai me fortalecer? 
Confesso que tenho cumprido tudo que a OMS sugere. Sem traumas. Li dois livros da Conceição Evaristo- uma beleza de narrativa!- Muitos artigos que falam de espiritismo, espiritualidade e exercício da fé. Pratico, diariamente, ioga e meditação. Preparo aulas, converso com amigos, canto, danço, choro às vezes, não nego, mas não me procuro no passado, pois não estou lá.
O que temos agora é esse presente. Um presente meio melancólico, eu sei, mas um presente construído por nós nesse passado que plantamos em nossa mente. Não somos vítimas de porra nenhuma,  não adianta mimimi, não há espaço para drama, pois não temos plateia- ah! a plateia! que falta!- Logo, precisamos construir, dentro da gente, aquele espaço que deixamos vazio, que não fizemos manutenção. Penso que é pra isso esse hiato. Lógico que o planeta estava agonizado.O Universo nos enviou muitos sinais, mas nossa soberba não nos deixou assimilar isso. 
É tempo de entendermos essa mudança como algo que irá fazer nossos filhos e netos e os filhos e netos dos vizinhos serem melhores que nós. É tempo de percebermos que precisamos de muito pouco para viver. Percebem que tudo era perfumaria? Eu mesma sempre tive a vaidade como um carro chefe. Sinto falta de sair? Sinceramente, não sei. Costumo dizer que o Universo estava me preparando para algo assim, para uma mudança que começou há alguns meses quando decidi fazer uma viagem por alguns lugares de Minas Gerais. A simplicidade daquela gente foi desenhando em mim alguma coisa que já estava alinhavada, mas que eu não entendia. Descobri em Inhotim que às vezes eu cerzia a vida. Em Cordisburgo , terra do Rosa, o cheiro de mato e a comida feita no fogão à lenha conduziram-me  aos meus ancestrais, as conversas com gente tão singular que encontrei em Diamantina mareiam meus olhos. Descer nas minas de Ouro Preto foi um soco no estômago. Nas paisagens mineiras me revi. Trouxe comigo um tanto de esperança e um monte de histórias que reverberam em mim. Guardo no escaninho da alma e vou bebendo aos goles pequenos cada coisa que em mim ficou.  
Quando voltei de lá,estava diferente, pulsando a vida com outro significado.
Estou vibrando no amor, na cura, na paz. "Só quero saber do que pode dar certo, não tenho tempo a perder." 
Hoje lembrei do meu vô. Ele dizia que  sentimento alimenta sentimento, ou seja, amor alimenta amor, medo alimenta medo... Parei de alimentar a ansiedade, o medo e o drama. Não somos vitimas de nada, repito. Nós fizemos isso. É chegada a hora da reforma íntima. Estou fazendo a minha parte. Sinto saudades dos amigos, de caminhar, ir a praia, fazer planos, mas se não posso, aproveito minha componia, rio de mim e comigo, aproveito pra me conhecer. Estava distante de quem eu sou de verdade. Acredito que tudo concorre para o bem. Pode me chamar de Polyanna, nem ligo. Penso que tudo tem um aprendizado... Então...acho que é momento de troca. É uma experiencia planetária. É tempo de regeneração. 
No meu jardim tem aparecido borboletas. Juro. Todos os dias. Muitas. Uma beleza!! Não as via há tanto tempo! O céu?! Parece o céu do Pontal de Atafona- saudades-. e a lua de hoje, alguém viu? Parecia um farol com milhares de pequenas lanternas em volta. O céu estava uma coisa! Meu cachorro parece mais feliz até. Sério. Isso só pode ser para o bem. 
Esses tempos estão me ensinando que tenho muitos excessos, e que não precisava de muita coisa material para viver. Descobri que deixei a fé em segundo plano e me entristeço comigo.
Lembrei de novo do meu vô. Certa vez, ele disse que em algum lugar do nordeste não chovia nunca. Um dia todos os moradores decidiram fazer uma reza forte para pedir chuva aos santos e Orixás. Quando a "tardinha" caiu, todas as pessoas do lugar se "ajuntaram" na praça da cidade. As pessoas conversavam, contavam causos, se distanciavam do propósito, mas uma menininha, franzina, de pernas finas, tranças nos cabelos, vestido domingueiro no corpo e os olhos cheios de esperança- ele a descrevia como eu era- carregava um guarda-chuva dourado junto ao peito. Todos riram. Ao ser indagada sobre o fato de carregar aquele objeto, ela respondeu: - Não viemos rezar pra chover? Pois então! Trouxe meu guarda-chuva! 
O nome disso é FÉ.
Fé não é religião. Fé é crença naquilo que acreditamos com muita força. Nós olhamos pro mundo através da crença que possuímos. Olhe para o mundo! Construa algo bom. Um monte de gente está precisando de algo que você tem. Precisando de um afago, uma palavra, um aceno.
Estou vibrando no amor e na esperança. Estou exercitando a minha fé. E você?

domingo, 16 de fevereiro de 2020

Só a Educação nos Libertará


Minha primeira postagem do ano da graça de 2020 é pra que eu não me esqueça do tempo. Que eu saiba qual a minha função em sala de aula,qual a minha postura diante de um momento tão árido que estamos passando no país.
Confesso que me assusta imensamente escutar noticiários, ler sobre os fatos e saber da veracidade deles.
O ano letivo teve início no ultimo dia 10 de fevereiro. Na reunião pedagógica acordamos que ,quem quisesse, poderia trabalhar o samba da Estação Primeira de Mangueira. Decidi que esse seria um bom texto para ser analisado, pois as colocações, o tema  são pertinentes ao momento vivido.
Sou mangueirense desde adolescente. As cores, a história da escola e o a história do Cartola sempre despertaram em mim curiosidade e afeto.
O samba de 1979 cujo refrão era " Tem mulata pessoal / Na colheita do cacau" fazia-me sambar e rodar sem entender que a Amazônia seria leiloada. A fonte de riqueza desrespeitada... enfim.
Ao longo dos anos fui ouvindo sambas que marcaram minha alma de passista- rsrrsr!-  Em 1984 a Mangueira foi campeã com um samba que homenageava Braguinha no "balancê,balancê".Tinha fogueteiro, São João,fogueira... Uma maravilha! Dez anos depois,em 1994, a escola homenageava Os Doces Bárbaros. Lá fui eu atrás do trio elétrico. Assisti ao show na quadra,bem no palco,causando inveja aos mortais... Anos depois foi a vez do poeta Buarque ,o gênio. São construções melódicas e letras pra gente refletir, pra gente se educar. Gosto dessa coisa de ver o povo defendendo uma ideia, um enredo, um espaço que sempre foi dele, do povo.
Farei um salto pra escrever um pouco sobre o comovente samba que a mangueira levou pra avenida no ano de 2019. Polêmico,verdadeiro,essencial. Uma aula de história que os livros não contam. Uma cor que a gente ignora, uma alma de que muitos se envergonham. 
Uma História para Ninar Gente Grande. Que enredo! Que coragem! Quantos de nós não sabíamos do muito que ali foi cantado. Não era um enredo sobre Marielle, mas sobre a nossa invisibilidade.  Lá estavam muitas personalidades desconhecidas pelo Brasil. Luíza Mahin, Chico da Matilde, Dandara. Lá também estavam as revoltas e rebeliões populares lideradas pelo povo preto, pobre,indígena e escravo do país. Um Brasil que não está no retrato, mas que a Mangueira fez questão de nos mostrar.
Lá estavam referencias sobre Navio Negreiro- sim eles existiram-, Lá estavam as multidões em verde e rosa, aquela gente que constrói a maior festa popular do mundo,os heróis de barracões. A Mangueira nos contou a história que a história não nos conta. Afinal...são versos que o livro apagou. Sangue retinto pisado... Ainda hoje.
Brasil teu nome é Dandara, devolve a essa mulher o protagonismo que ela sempre teve, mas também no aponta uma Dandara outra que foi morta a pedradas em 2017 em Fortaleza. A tua cara é de cariri. Nossa matriz índia que pede socorro. São muitos os pedidos de socorro. São muitas as pistas para que façamos o exercício de conhecer a nossa história.
Trabalhei a letra desse samba no ano passado e um infeliz escreveu em uma rede social que eu não estava cumprindo meu papel de professora. Que deveria dar aula de português e que uma análise de samba não era aula. 
Pesquisei sobre o sujeito. Descobri que não valia a pena entrar em discussão. "Pobrinho" ele. O sujeito,quer dizer, objeto, só fazia reproduzir discurso de ódio. Ele nutria, mesmo pobre, a convicção de que a elite tinha que estar no poder.
Bem, cá estou eu trabalhando com "A verdade vos libertará", que traz um Cristo muito humano, longe desse olhar bélico imposto pelas classes dominantes.
Faço análise da estrutura sintática, aponto passagens bíblicas,estimulo os alunos a pensar. Alguns falam que é heresia, outros discutem de maneira polida e me explicam coisas que eu sabia. Aprendo também.
Escrevo tudo isso pra relatar que na sexta-feira, às 7:20h, entrei na sala de aula e um aluno me entregou um bilhete. Tremi. pensei...lá vem censura, bomba, esculacho. Respirei fundo. Abri aquele papel que estava escrito com tinta azul. A medida que eu lia meus olhos mareavam. Sexta- feira e eu recebendo presente de um pai que se dizia emocionado com o relato de seu filho a respeito da aula dada.
Fiquei em silêncio enquanto eles olhavam pra mim. Em meu  rosto um  percurso de rio seguia pelo meu pescoço. 
 Saio de casa, diariamente, para servir as pessoas com meu conhecimento, com minha energia, com minha esperança. Estou respirando, mas pode ser o último dia e não vou desperdiçar meu tempo sendo vazia, medrosa, superficial. Não sou parasita, não nutro ódio pelo outro, não faço apologia a armas, não desrespeito a religião de ninguém, não comungo com fascismo,logo, vai ter feminismo em minha sala de aula, sim -se for pertinente-. Vai ter discurso contra o ódio, sim.Vai ter estimulo para que eles estejam em universidades públicas, vai ter carinho, Machado de Assis, Rubem Alves, Nelson Rodrigues e o escambau!
Se tenho medo? Sim, pois o medo faz parte da travessia. 
Recebi esse bilhete, mas também escutei de uma aluna, negra, que ela admira Hitler. Morri por alguns instantes. Perguntei se ela sabia quem tinha sido essa figura. Lá vai outra aula. Mas não é português, né? Quem a fez repetir essa coisa tão abominável? O que ela ficou fazendo na escola esse tempo todo? 
Depois uma outra disse não ler o texto, pois ele era sem sentido...????
Mais uma aula. A menina é evangélica. Expliquei que não estava analisando o texto à luz da religião, mas com a ótica da semântica. Ela não sabia o que era semântica. Mais uma aula.
Tenho um propósito. Nele não há espaço para o raso. Se eu morrer amanhã tem que ter valido a pena. Então, darei minha melhor aula, farei meu melhor espetáculo,meditarei até minha alma sorrir e serei de verdade.
Só a educação nos liberta, sendo assim, tem que ser verdadeira.

PS: Obrigada,"pai", por ser esse guardião de seu filho.



Hora certa:

Faça parte da familia: