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segunda-feira, 24 de junho de 2019

ENSAIOS E DESCOBERTAS DO SER EM LABIRINTO

 " Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor.
    Qualquer amor  já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura. Deus é quem me sabe"

Cá estou. Ensaio todos os dias escrever algumas coisas aqui. Ensaio algumas impressões enquanto vou construindo em mim Maria Deodorina da Fé Bettancourt Marins. Enquanto desconstruo Diadorim, e enquanto atravesso essa "terceira margem do rio". Viver é muito perigoso. Teatro é muito perigoso. Guimarães,o Rosa, é um cabra cheio de mistérios que vou descortinando na travessia desse meu sertão. Também ele é muito perigoso. Ele vê o diabo na rua, no meio do redemunho... vejo o diabo nas contradições. Dona Arlete escreve de um jeito muito perigoso.Rossi me joga nesse labirinto perigoso em constante construção.
 "Desmediu minha ideia: o ódio- é a gente se lembrar do que não deve-de; amor é agente querendo achar o que é da gente."
Ensaio de maneira lenta. Assim sou. Assim respiro de verdade a personagem que não sendo sou. Fico dias com o texto nas mãos, depurando as palavras, as intenções,construindo de maneira imaginária os "gestus".
Há, nos encontros com o diretor, as descobertas de decisões sobre a personagem. Decidimos o que fazer e o que não fazer. Sabemos que o público deve aprender mais sobre a personagem do que aquilo que a autora colocou sobre o papel. Daí vem meu corpo, minha voz, minha emoção e uma escrita/partitura que devo construir. Tarefa árdua, que exige tempo para depuração e descobertas.
Estudo o texto. Sei muitas falas. Em mim estão soltas, se afinando e dando vida/sangue a esse ser que se assume tão verdadeiramente feminista e fêmea.
Enquanto estudo, paralelamente, leio outros textos sobre o fazer teatral para alguns dramaturgos. 
Brecht disse certa vez que "a personagem não é fixada num molde definitivo, é uma criatura que se move". Também eu sou personagem nesse palco chamado vida. Estamos em movimento interno e externo. Somos uma. Sou eu e todos eles em mim. Difícil. Perigoso. Levo a sério essa personagem, mas rio dela. Ela tem um lirismo rude e uma dependência ao amor imensa. Talvez por não ter conhecido amor algum na vida senão aquele que não podia assumir,mas que era recíproco. " Ah , meu senhor! - como se o obedecer do amor não fosse sempre o contrário..." 
Vou praticando o jogo, comigo mesma e, igual a Deodorina, vou vivendo com medos e cuidados. É um desafio enorme viver essa mulher talhada nessa narrativa. Uma narrativa que nos revela , ou nos possibilita entender uma das possibilidades de existência dessa mulher que o Rosa não deu voz, mas Arlete decidiu dar à luz e nos asfixiar com suas colocações. 
Praticando esse jogo vamos cuidando de cada detalhe, vamos conhecendo e reconhecendo cada ser humano que compõe a obra, vamos buscando fazer uma reprodução verdadeira a partir das observações que não estão em notas de rodapé, mas no subtexto. 
Penso na feiura de alguns desses personagens tostados pela aridez do sertão.Vou desenhando e me assustando.Viver tão provisoriamente esses personagens é tarefa muito dificultosa. Acreditem. Não estamos a serviço de uma arte pela arte. Estamos construindo as emoções não com lembranças do que vivi, mas com lembranças de Diadorim, Reinaldo e Riobaldo. 
Estamos em cena para travar um combate útil a sociedade, pois para Brecht a sinceridade só interessa se for socialmente útil. Não estou ali para reviver minhas dores, amores ou relações. Estou, junto com Rossi e Arlete,  para criar a vida dessas personagens e não permitir que seja uma repetição, pois o mundo dos espectadores tem de ser renovado. Cada plateia é uma, cada dia de espetáculo é único. Isso faz com que as representações não se esclerosem.
Vamos encontrando os distanciamentos tão exigidos por Brecht. Isso cria em mim um fascínio, mas sei que,  também isso, é mais difícil. Vamos levando a plateia a fazer parte da luta , a tomar partido politicamente, a não ser imparcial. 
Gosto do cuidado estético que discutimos. Os deslocamentos de cada cena, como se fossem quadros, o diálogo com tecnologias,uma narração de jogo de futebol, o desenho de uma coreografia. Jogo comigo e com a plateia. Jogo comigo e com todos os  outros "eus" que estão em cena comigo. Uma loucura que dá gosto e medo.
Cada cena já construída- mas que precisa ser alinhavada- existe em si mesma, não é uma simples transição para a cena seguinte. Tudo é quase uma cena que conheço. A cena final. Aquela que surpreende. Aquela que me surpreende.
Esse teatro tem um sabor- ao menos para mim- de tempos longos para o estudo. É um teatro, como diz Brecht, que não pode ter data marcada, pois não é comercial. Merece ir para cena quando estiver, de verdade, pronto.Verdadeiramente orgânico. O ator controla seu desempenho, permanece fiel a direção, não se perde. A cada fase do espetáculo ,ele parte do zero, vai de ruptura em ruptura sem nunca se embalar.
Descobri, com esse texto, que o tempo é mais lento no teatro épico do que no dramático.É preciso dar ao espectador tempo pra "pensar" as frases que são ditas. Tudo isso, mais a descoberta dos "gestus" nos leva ao entendimento que um espetáculo exige de longo estudo.
Esse é um espetáculo tão latente, latejante, pulsante que merece tempo. É um espetáculo politizante, árduo, verdadeiro e atemporal, pois aquilo que se passa em cena atravessa constantemente o nosso mundo.
Que a estreia desse sujeito palavra seja objeto de compreensão e realizaçãopara cada um de nós envolvidos nessas Veredas. 

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