contador de visitas
Selecione o Idioma

Postagens populares

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

SERÁ QUE EU CRESCI?




Lembro-me de quando era pequena e minha infância era recheada de histórias e “causos” narrados pela minha mãe e pelas professoras que me embalaram no Jardim de Infância do instituto de Educação Professor Aldo Muylaert.
            Desde sempre fui tragada pelo reino do faz de conta. Desde sempre as palavras foram minha vitrine mais visitada, meu castigo esperado, minha viagem à Terra do Nunca.
            Era muito comum construir histórias, transformar bonecas em personagens vivos, envolver todas as pessoas possíveis nesse que era meu delírio escolhido.
Minhas bonecas tinham roupas pra tudo. Minha mãe as costurava à mão. Elas tinham nome, filiação, endereço... Tinham uma história que eu construía com data de nascimento e signo. Uma poeta já habitava em mim sem que eu, sequer, desse conta disso.
            Nunca fui das exatas. Isso me fazia detestar as aulas de física, química e matemática. Aprontava. Sempre tinha um experimento novo para realizar na sala de aula, pois sabia que isso deixaria os professores enlouquecidos.
E aí acontecia o que eles NUNCA desconfiaram... Eu adorava ser “castigada”. Isso mesmo. CASTIGADA. Eles olhavam para mim- parece que estou vendo-apontavam para a porta e chamava o coordenador de turno, “seu” Amilar. Ele vinha com aquelas mãos imensas, unhas sujas, e segurava meu braço murmurando: “não tem jeito”, e me conduzia até a biblioteca. Eu era a pessoa mais feliz do mundo! Quantas letras, quantas palavras, quantas frases, quantas histórias!
            Li muitos livros tecendo essas traquinagens. Fui absolutamente feliz nesse meu castigo. Tornei-me um ser apaixonado pelas letras. Para mim, letras são bordados, são pinturas, e são vivas!
            Nessa época eu já estava no “ginásio” e podia escolher entre aula de Educação para o Lar (rsrsr), Técnicas Comerciais ou participar do Orfeão. Sem demora pra escolher, sem perguntar aos meus pais, não hesitei em adentrar àquele lugar mágico que era o auditório (Senhor! Esqueci o nome!). Pela primeira vez vi um piano de cauda. Pela primeira vez vi aquela que desenhou, definitivamente, o que eu queria fazer na vida. A minha frente estava uma mulher baixinha, com os cabelos muito finos e raros parecendo ter uma espécie de enchimento. Ela era uma personagem. Regia com o corpo, com os olhos com a alma. Ela estava ensaiando um tributo a Vinicius de Moraes. Eu estava sentada assistindo aquilo como se fosse explodir. As palavras... as palavras saíam do papel e estavam reverberando naquele espaço. A palavra ganhara corpo, ganhara melodia. A palavra foi transformada em TEATRO.
            Ela começou a reger a canção “Eu sei que vou te amar” do Tom Jobim. Chorei. Ela perguntou se alguém sabia o soneto de Fidelidade do “Poetinha”. Ninguém se moveu. Foi assim que vi, pela vez primeira, tapetes vermelhos se estenderem diante de mim. Com toda emoção e fé cênica - hoje eu sei que é isso - eu fiquei de pé e disse liricamente comovida:

“De tudo, ao meu amor serei atento antes
E com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa lhe dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure”

            Fiz parte do Orfeão até me formar no curso de Normalista. Depois, na FAFIC, participei do Coral. O canto coral nunca mais foi o mesmo. Transformávamos letras de música em texto, construíamos diálogos com refrões, enfim, dávamos à literatura o valor de seu papel que não é o de ser somente disciplina, mas de ser arte.
            Sendo assim, a pretensão é analisar um texto literário tendo como foco seu eixo dramático. Para isso escolhi as Cinco cartas Portuguesas de Soror Mariana Alcoforado. São epístolas com teor mais teatral que pude ver na vida. As palavras saltam das páginas e ganham vida diante do desespero de uma mulher que é vista como santa, por ser uma abadessa. Que sendo freira é rapidamente estereotipada como a virgem Maria, mas que no fundo fora uma mulher que pecou como Eva. Que se deu ao desfrute de “comer” do fruto proibido. A partir daí foi criada a primeira imagem negativa da mulher, pois ela leva Adão ao pecado. O fruto foi comido pelos dois, mas foi sobre a primeira mulher que fora lançado o estigma da negatividade. As cartas revelam uma condição feminina no século XVII que muito vemos em pleno século XXI.
            A minha pretensão é fazer a análise do discurso dessas cartas para o palco, alinhavando cada uma delas com letras de musica do século XXI para que o espetáculo tenha uma discussão sobre a questão de gênero.
            Fosse um padre que recebesse em sua clausura uma mulher, teria a igreja feito uma grande reforma em suas leis? Só a mulher é direcionada para ser casta?
Quero conduzir o trabalho defendendo a arte da palavra, defendendo a literatura como linguagem artística, rica em sentidos e sonoridades, rica, sobretudo em imagens que podem estar dramaturgicamente em cena.
            Os sentimentos que permeiam as cartas são explícitos: saudade, abandono, medo, tristeza, solidão, paixão, carne, súplica, desespero, esperança.
Essa temática do amor não correspondido, do abandono não é inerente a um determinado período, mas manifestado em diversas épocas, cantado e interpretado nos palcos e bares da vida. Não há preocupação em imprimir características literárias em suas epistolas. A preocupação é a de se fazer ouvir, a preocupação é gritar por esse amor, é ser o objeto de desejo para aquele homem a quem se entregou.
Que saibamos nos construir e nos desconstruir apesar dos equívocos sobre a potencialidade dos gêneros quanto os seus afetos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Hora certa:

Faça parte da familia: